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Magistradas do TRT-4 falam sobre as unidades especializadas em acidentes do trabalho.

ENTREVISTA: Magistradas do TRT-4 falam sobre as unidades especializadas em acidentes do trabalho.

 

O número de acidentes e óbitos associados ao Trabalho ocorridos no Brasil aumentou 30% em 2021 na comparação com 2020. No ano passado, foram comunicados 571,8 mil acidentes e 2487 mortes, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, criado pelo Ministério Público do Trabalho em parceria com o programa Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A magnitude desses números reforça a necessidade cada vez maior de prevenção e conscientização quanto a acidentes do Trabalho e doenças ocupacionais. Para contribuir com o esclarecimento da sociedade quanto a esse tema, a OIT instituiu, em 2003, o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes do Trabalho, celebrado a cada ano no dia 28 de abril. Em âmbito nacional, a data foi instituída pela Lei nº 11.120/2005, com a mesma finalidade.

Na Justiça do Trabalho brasileira, o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes do Trabalho e o Dia Nacional de Prevenção de Acidentes (27/7) são utilizados para promoção de ações de conscientização e reforço dos programas de trabalho seguro, tanto no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como nos diversos Tribunais Regionais do país.

Na 4ª Região trabalhista, existem duas unidades judiciárias especializadas em julgar processos que envolvam acidentes do Trabalho e doenças ocupacionais: a 6ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul e a 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Desde a sua inauguração, em setembro de 2012, a unidade serrana tem a competência específica. Já no caso da 30ª VT de Porto Alegre, a inauguração ocorreu em 1994, mas a especialização tornou-se realidade em 2005.

Para entender como funcionam essas unidades judiciárias e quais as particularidades dos processos que tratam de acidentes do Trabalho e doenças ocupacionais, a Secretaria de Comunicação Social do TRT-4 conversou com as juízas do Trabalho Fernanda Probst Marca e Glória Mariana da Silva Mota, que atuam como magistradas substitutas, respectivamente, na 6ª VT de Caxias do Sul e na 30ª VT de Porto Alegre. Fernanda também é gestora regional do programa Trabalho Seguro, juntamente com o desembargador Alexandre Corrêa da Cruz. Confira na entrevista a seguir:

Na sua avaliação, qual a importância para a comunidade da existência de uma unidade especializada em acidentes do Trabalho e doenças ocupacionais?

Glória Mota –  A importância está no fato de que essas demandas tratam da relação entre saúde e trabalho, aspectos muito caros e presentes na vida de todos. Como ideal, o trabalho é fonte de realização pessoal, mas também é o meio de que o trabalhador dispõe para prover suas necessidades essenciais. E é necessário ter boa saúde para bem trabalhar. Por isso o julgamento de causas que envolvam a saúde e até mesmo a própria vida do trabalhador demanda tratamento diferenciado, com atenção a fatores que extrapolam os prejuízos materiais e se referem também a direitos da personalidade. Do ponto de vista técnico, a especificidade da matéria se revela na correspondente especificidade dos processos, tanto na fase de instrução como na execução, e isso exige atenção especial tanto dos magistrados como dos servidores da unidade.

Quais as principais peculiaridades dos processos que envolvem acidentes e doenças ocupacionais e que acarretam também em um funcionamento diferenciado das unidades especializadas?

Glória Mota – Os processos de acidentes exigem, quase sempre, na fase de conhecimento, uma participação muito intensa de magistrados e servidores. Muitas diligências probatórias são realizadas pelo juízo, diferentemente de processos comuns, nos quais, em regra, as provas são apresentadas pelas próprias partes. Quase sempre é necessária a realização de pelo menos uma perícia, às vezes mais que uma, o que implica em grande demanda, busca de peritos que melhor atendam às especificidades daquele caso concreto, marcações, observação de prazos, formulação de quesitos, etc. As fases de liquidação e execução também são muito peculiares. A condenação em diversas parcelas é comum nos processos de acidente, e isso prolonga as execuções no tempo e geram questões bem específicas, como reaquisição da capacidade de trabalho, pensionamento vitalício ou temporário, entre outras… Outro diferencial é o baixo índice de acordos, principalmente nas audiências iniciais, o que exige uma instrução completa na quase totalidade dos processos.

Na cidade de Porto Alegre, jurisdição da 30ª Vara do Trabalho, que setor econômico apresenta maior prevalência de acidentes e doenças?

Glória Mota – O setor econômico mais demandado na 30ª VT de Porto Alegre é o comércio varejista.

No caso da região de Caxias do Sul, quais são esses setores?

Fernanda Marca – A maioria absoluta das demandas, cerca de 70%, vêm do setor industrial, devido à indústria pesada instalada na região. Há muitos processos também do setor de alimentos, principalmente de frigoríficos e processadores de carnes e aves.

Considerando o fato de que Caxias do Sul é um polo industrial bastante forte, qual a contribuição da 6ª VT quanto a prevenção de acidentes e doenças?

Fernanda Marca – A existência de uma Vara especializada contribui diretamente para prevenir a repetição de acidentes e em medidas que evitem o adoecimento dos trabalhadores, colaborando com a formação de uma mentalidade não apenas punitiva, mas sobretudo preventiva. Como os processos geralmente demandam a realização de perícias e investigam também o descumprimento de normas de proteção, a maioria dos empregadores utiliza as conclusões dos peritos para adotar medidas que corrijam as falhas e evitem novos acidentes, o que contribui para a preservação da saúde dos demais trabalhadores.

Na sua avaliação, quais as principais causas de acidentes do Trabalho e fatores de adoecimento dos trabalhadores?

Fernanda Marca – As principais causas são a falta de treinamento adequado, a fadiga do empregado, decorrente de extensas jornadas de trabalho, o descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho e a falta de fornecimento ou do uso dos equipamentos de proteção. Além disso, há vários casos envolvendo acidentes de trajeto e outros originados por falta de atenção no manejo do maquinário, o que sempre acarreta a necessidade de ser verificada a culpa das partes na produção do evento.

A suposta imprudência dos trabalhadores é um fator importante na ocorrência de acidentes?

Glória Mota – Eu entendo que a imprudência do empregado é um fator de menor relevância no contexto dos acidentes. Apesar de poderem existir violações deliberadas de regras de procedimento, isso é exceção. De outro lado, há que se ter em mente que o ser humano está, pela sua própria natureza, inevitavelmente sujeito a erros não intencionais. Em determinados contextos de trabalho, como, por exemplo, atividades repetitivas, monótonas, jornadas excessivas, há um favorecimento quanto à ocorrência desses erros. Mas nestes casos, em geral,  não entendo que a causa do acidente seja o erro humano, mas o ambiente que o favoreceu e/ou não contava com dispositivo de segurança capaz de evitar o dano.

Quais as principais medidas que deveriam ser tomadas com o objetivo de diminuir o número de acidentes e de ocorrência de doenças?

Fernanda Marca – Treinamento e conscientização do empregado sobre os riscos de sua atividade e as medidas de prevenção necessárias para evitar acidentes e adoecimento, fornecimento e exigência do uso de equipamentos de proteção individual e coletivo, observância dos limites máximos de jornada de trabalho, dentre outras medidas. Também é imprescindível que todos os agentes da cadeia produtiva – empregadores, empregados, acionistas, fornecedores – entendam que um acidente é muitas vezes fruto de uma reiteração de pequenos descuidos que culminam numa ocorrência às vezes fatal. Esta falta de compreensão das etapas do processo produtivo ainda deve ser atacada, especialmente pelo Poder Judiciário e pelos demais órgãos de controle e fiscalização.

 

Fonte: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/501322

 

Postado por Lawrence Lopes, OAB/RS 100.825, em 29 de abril de 2022.